602
Irriga, Botucatu, v. 28, n. 4, p. 602-613, outubro-dezembro, 2023 ISSN 1808-8546 (ONLINE) 1808-3765 (CD- ROM)
SUSTENTABILIDADE DOS RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA DO ALTO PARANAPANEMA-SP: UMENFOQUE DE DINÂMICA DE SISTEMAS *
ALBA MARIA GUADALUPE ORELLANA GONZALEZ1; JOÃO CARLOS CURY SAAD1, RODRIGO MÁXIMO SÁNCHEZ-ROMÁN 1
1Departamento de Engenharia Rural, Faculdade de Ciências Agronômicas, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Avenida Universitária, nº 3780 – CEP 18610-034, Altos do Paraíso, Botucatu, SP, Brasil, E - mail:alba.maria@unesp.br; joao.saad@unesp.br; rodrigo.roman@unesp.br
*Artigo oriundo da Tese de Doutorado de Alba Maria Guadalupe Orellana Gonzalez: “Avaliação de impactos de mudanças climáticas sobre a agricultura e os recursos hídricos na bacia do Alto Paranapanema, São P aulo: um enfoque de dinâmica de sistemas”. UNESP,2022.
1 RESUMO
O setor agrícola é impactado diretamente pelas condições climáticas. Projeções de modelos de mudanças climáticas globais (MCG) indicam que o Brasil terá incrementos de temperatura e variações nas precipitações. Nesse cenário de alterações climáticas, torna-se cada vez mais necessária a compreensão do impacto que tais modificações terão sobre os recursos hídricos e a agricultura. Diante do exposto esta pesquisa teve como objetivo identificar os prováveis impactos na agricultura irrigada e nos recursos hídricos sob a perspectiva de diferentes cenários de mudança do clima na Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema (BH do ALPA), SP, avaliando suas prováveis repercussões. O modelo formulado permitiu avaliar os impactos causados por mudanças climáticas, manifestadas em alterações na pluviosidade, sobre a agricultura irrigada e os recursos hídricos da BH do ALPA. A avaliação foi feita usando os Índices de Falkenmark, Keller e de Sustentabilidade. Quando analisado o cenário Bussiness as Usual (BaU), os resultados indicam que o sistema de recursos hídricos da bacia, conserva ao longo do período de simulação (2016-2070), a sustentabilidade hídrica do sistema.
Palavras-chave: balanço hídrico, pensamento sistêmico, STELLA
ORELLANA-GONZALEZ, A. M. G.; SAAD, J. C. C.; SÁNCHEZ-ROMÁN, R.M. WATER RESOURCES SUSTAINABILITY IN THE UPPER PARANAPANEMA- SP BASIN: A SYSTEMS DYNAMICS APPROACH
2 ABSTRACT
The agricultural sector is directly impacted by climate conditions. Global climate change (GCC) model projections indicate that Brazil will experience increases in temperature and variations in precipitation. In this climate alteration scenario, it is becoming increasingly necessary to understand the impact that these changes will have on water resources and agriculture. In view of the aforementioned, the aim of this research was to identify the probable impacts on irrigated agriculture and water resources from the perspective of different climate change scenarios in the Upper Paranapanema River Basin (BH of the ALPA), SP, assessing their probable repercussions. The model formulated made it possible to assess the impacts caused by climate
Recebido em 20/09/2022 e aprovado para publicação em 09/10/2023
DOI: http://dx.doi.org/10.15809/irriga.2023v28n4p602- 613
Orellana-Gonzalez, et al. 603
change, manifested in changes in rainfall, on irrigated agriculture and water resources in the BH of the ALPA. The evaluation was carried out using the Falkenmark, Keller, and Sustainability Indexes. When analyzing the Business as Usual (BaU) scenario, the results indicate that the basin's water resources system maintains throughout the simulation period (2016-2070), the system's water sustainability.
Keywords: water balance, systems thinking, STELLA.
3 INTRODUÇÃO
As variações do clima provocadas pelo aquecimento da Terra estão ocasionando problemas socioeconômicos e ambientais de grande relevância para o planeta de forma geral. Os relatórios de
consequências negativas ao serviço de abastecimento de água, à geração de energia nas hidrelétricas e à agricultura.
O setor agrícola brasileiro é muito diverso e ocupa um papel preponderante na economia. Segundo dados de 2021 (Brasil , 2021), o setor aporta cerca de 27% do
avaliação do Painel Intergovernamental Produto Interno Bruto e gera
sobre Mudanças Climáticas-IPCC (2007, 2014, 2021) e muitas pesquisas científicas consideram que o clima da terra está mudando e afirmam que essa mudança tem sido ocasionada pelas atividades humanas. As pesquisas e avaliações sobre mudança climática têm experimentado uma série de avanços que têm permitido a geração de modelos climáticos cada vez mais apurados. Segundo diversos estudos do IPCC, especificamente os divulgados em 2014 e 2021, as variações na temperatura da T erra podem oscilar entre 1,1°C e 6,4°C, com média de 4°C até o final do século XXI. Além do aumento na temperatura do ar, há previsão de mudanças no regime de chuvas, tanto em nível espacial como temporal.
No Brasil, o setor agrícola e o setor de recursos hídricos têm despertado grande atenção por serem os mais impactados pelas alterações no clima. Na abordagem sobre aspectos climáticos realizada por Cox et al . (2008), Marengo et al. (2008a, 2008b) e Marengo (2014), é notória a vulnerabilidade do Brasil à variabilidade climática.
A escassez do recurso hídrico, em quantidade e em qualidade, já é uma realidade em algumas regiões do país. No estado de São Paulo e em toda a R egião Sudeste, a mais recente escassez hídrica de 2013 e 2014 (Assad, 2015) trouxe
aproximadamente 35% dos empregos. Existem cerca de 5 milhões de propriedades rurais, nas quais se produzem alimentos e fibras. Muitos desses produtos são exportados, fazendo com que o Brasil ocupe desde 2008, o quarto lugar mundial como exportador de produtos provenientes da agricultura, caracterizando o país como um importante provedor de alimentos a nível mundial (FAO, 2021).
O setor agrícola é impactado diretamente pelas condições climáticas. Cerca de 80% das oscilações na produtividade do setor obedecem às variações nos fatores meteorológicos como: temperatura, radiação solar, chuva, umidade do ar, velocidade do vento e dispo nibilidade de água no solo, os outros 20% das alterações na produtividade dependem de aspectos sociais, econômicos, políticos e de infraestrutura (Brasil, 2016).
As projeções do IPCC (2021) formuladas em diferentes cenários indicam que Brasil terá incrementos de temperatura e variações nas precipitações.
Nesse cenário de alterações climáticas, torna-se cada vez mais necessária a compreensão do impacto que tais modificações terão sobre o setor agrícola e sobre os recursos hídricos.
Irriga, Botucatu, v. 28, n. 4, p. 602-613, outubro-dezembro, 2023
604 Sustentabilidade dos recursos...
A demanda por pesquisas
envolvendo os impactos das mudanças climáticas sobre a produtividade dos cultivos agrícolas e sobre os recursos hídricos em nível regional é crescente. Tais pesquisas são necessárias para fundamentar a tomada de decisões pelos diferentes atores afetados e para a formulação de políticas públicas que visem diminuir os impactos econômicos e ambientais adversos provocados pelas mudanças climáticas.
Esta pesquisa teve o objetivo de identificar os prováveis impactos na agricultura irrigada e nos recursos hídricos sob a perspectiva de diferentes cenários d e mudança do clima na Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema (BH do ALPA) SP , avaliando suas prováveis repercussões.
4 MATERIAL E MÉTODOS 4.1 Localização da área de estudo
Este estudo tomou por base a Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema, definida como Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos – UGRHI 14 (Figura 1), que está localizada na Região Sudoeste do estado de São Paulo, entre as coordenadas 23°00’ e 24°23’ S e 49°42’ e 47°22’ O. Ao norte, limita-se com a UGRHI 17 - Médio Paranapanema, ao sul com a UGRHI 11 - Vale do Ribeira/Litoral Sul, ao leste com a UGRHI 10 - Sorocaba/Médio Tietê e ao oeste com a região nordeste do estado do Paraná (CBH-ALPA, 2020).
Figura 1. Mapa de localização da Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) 14, Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema, SP.
Fonte: Centro Tecnológico da Fundação Paulista (2015).

4.2 Análise dos dados
Com o auxílio do software STELLA 10.1.2 para Windows, um modelo de simulação de Dinâmica de Sistemas foi desenvolvido a fim de avaliar os impactos das mudanças climáticas, manifestadas em mudanças de pluviosidade, sobre a agricultura irrigada e os recursos hídricos na BH do ALPA, SP. O modelo apresentou
submodelos específicos, denominados como nível atmosférico, nível de superfície e nível subterrâneo.
Os cenários desenvolvidos foram: cenário Business as Usual (BaU) BaU.1, no qual a precipitação equivaleu ao valor de 1.200 mm ano⁻¹, e o cenário BaU.2, no qual foram utilizados dados de precipitação anual presentes na série histórica do período de 1947 a 2021. Ressalta-se que os demais
Irriga, Botucatu, v. 28, n. 4, p. 602-613, outubro-dezembro, 2023
Orellana-Gonzalez, et al. 605
parâmetros do modelo permaneceram invariáveis entre os cenários. Utilizando o modelo desenvolvido no software STELLA, realizou-se a simulação dos cenários para um período de 55 anos, de 2016 a 2070. Visando analisar o impacto dos diversos setores componentes do balanço hídrico na sustentabilidade dos recursos hídricos, foram aplicados os Índices de Falkenmark, Keller e de Sustentabilidade .
O índice de Falkenmark define a relação anual entre a água disponível total e o número de habitantes na bacia (Falkenmark, 1989; Falkenmark et al ., 2007). Segundo esse índice, uma bacia tem uma dotação adequada de água caso ele seja
• Estágio V: uso de água de 90 a 95%
• Estágio VI: uso de mais de 95% da água disponível
Sistema Fechado:
Quando não há água utilizável, deixando o sistema além do necessário para atender ao fluxo mínimo requerido e às exigências do fluxo de saída.
O Índice de Sustentabilidade (IS), proposto por Xu et al. (2002), foi utilizado para avaliar a sustentabilidade do uso dos recursos hídricos na Bacia do ALPA. O IS é definido como a relação entre um possível déficit de água e a oferta correspondente numa mesma região (Equação 1).
maior que10.000 m3 hab-1 ano-1. A bacia
sofre problemas moderados se o índice oscila entre 1.600 e 10.000 m3 hab-1 ano-1. O
IS
=
(S − D) / S
0
S D S D
(1)
estresse hídrico ocorre quando o índice varia entre 1.000 e 1.600 m3 hab-1 ano-1 .
Considera-se que a bacia tem escassez
crônica de água quando o volume de água disponível está entre 500 e 1.000 m3 hab- 1
ano-1. Valores menores a 500 m3 hab-1 ano- 1
indicam que a bacia sobrepassa o limite de capacidade de manejo dos recursos hídricos (Falkenmark et al., 2007).
O Índice de Keller, proposto por Keller, Keller e Davids (1998), foi aplicado a fim de avaliar o desenvolvimento da BH do ALPA ao longo do tempo, visto que esse índice depende da relação entre o consumo anual pelos diversos demandantes e o volume de água disponível anual. Ele classifica uma bacia hidrográfica em diferentes fases de desenvolvimento, as quais são:
Exploração:
• Estágio I: uso de água menor que 40%
• Estágio II: uso de 40 a 60% da água disponível
Conservação:
• Estágio III: uso de água de 60 até 80%
• Estágio IV: uso de 80 até 90% da água disponível
Ampliação:
Em que: D é a demanda de água e S é a oferta disponível de água.
Se o valor do IS for superior a 0,2, isso indica um baixo ou nenhum estresse na oferta de água, o que significa que a demanda de água é menor ou igual que 80% da oferta potencial desse recurso. Enquanto valores de IS iguais ou menores que 0,2 refletem condições de vulnerabilidade, o que indica que a demanda hídrica é maior que 80% da oferta potencial de água. Um IS igual a 0 indica que a oferta de água é insustentável, ou seja, a demanda de água é maior que toda a disponibilidade de recursos hídricos no local.
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Figura 2 mostra que, no período simulado de 2016 a 2070, no cenário BaU.1, cuja precipitação anual média foi igual a 1.200 mm, a demanda total de água na BH do ALPA em 2016 representou 10% da oferta disponível. Em 2070, período final da simulação, essa demanda alcançou 27% da oferta disponível, o que equivale a quase
Irriga, Botucatu, v. 28, n. 4, p. 602-613, outubro-dezembro, 2023
606 Sustentabilidade dos recursos...
triplicar seu valor ao longo do tempo de
simulação.
Figura 2. Oferta e balanço hídrico, em milhão de m3 ano-1, da Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema, SP, nos cenários BaU.1 e BaU.2
20000 18000 16000 14000 12000
Oferta BaU.1
10000 8000 6000
Oferta BaU.2 Balanço BaU.1 Balanço BaU.2
4000 2000
0
20162020202520302035204020452050205520602065 2070
Anos
Legenda: Oferta BaU.1=oferta de água cenário BaU.1, Oferta BaU.2= oferta de água cenário BaU.2, Balanço BaU.1= balanço hídrico cenário BaU.1, Balanço BaU.2= balanço hídrico cenário BaU.2.
O cenário BaU.2, que utiliza as anterior, a quase triplicar seu valor no
precipitações da série 1947-2021, período simulado (Figura 2).
apresentou oscilações na oferta disponível em função das variações na precipitação. Nesse cenário, a demanda total de água em 2016 representou 13% da oferta disponível, enquanto em 2070, período final da simulação, ela alcançou 33% da oferta disponível, o que equivale, como no cenário
A Tabela 1 apresenta um resumo dos Índices utilizados para avaliar a sustentabilidade dos recursos hídricos na BH do ALPA no BaU.1, cenário com precipitação média de 1.200 mm, e no BaU.2, cenário com precipitações da série 1947- 2021.
Irriga, Botucatu, v. 28, n. 4, p. 602-613, outubro-dezembro, 2023
Orellana-Gonzalez, et al. 607
Tabela 1. Índices de avaliação da sustentabilidade dos recursos hídricos na Bacia H idrográfica do Alto Paranapanema, SP nos cenários BaU.1 e BaU.2
Falkenmark (m3 hab-1 ano-1) Keller (%) IS *
Anos BaU.1 BaU.2 BaU.1 BaU.2 BaU.1 BaU.2
2016 18.111 13.569 10 13 0,90 0,87
2020 17.978 14.143 10 13 0,90 0,43
2025 17.794 16.622 11 12 0,89 1,17
2030 17.592 15.804 12 14 0,88 0,83
2035 17.375 16.521 15 15 0,86 0,86
2040 17.145 21.602 18 14 0,83 1,09
2045 16.902 17.831 22 21 0,79 0,64
2050 16.648 19.825 25 21 0,77 0,94
2055 16.386 19.472 25 21 0,76 0,93
2060 16.116 16.666 26 25 0,75 0,80
2065 15.840 16.249 27 26 0,75 0,46
2070 15.559 9.257 28 48 0,73 0,53
Legenda: IS= Índice de Sustentabilidade; *adimen sional
Observa-se na Figura 3 que o valor do Índice de Falkenmark na BHdo ALPA no cenário BaU.1 foi de 18.111 m3hab-1ano-1 no ano de 2016. Em 2050, ele caiu para 16.648 m3 hab- 1
ano-1, atingindo o valor de 15.559 m3 hab- 1
ano-1 em 2070, final do período de
simulação. Com respeito a esse cenário, pode-se concluir que a situação de disponibilidade hídrica em m3 hab-1 ano-1 é bastante confortável, pois segundo esse indicador, uma bacia tem uma dotação adequada de água se seu índice é maior que 10.000 m3 hab-1 ano-1 .
Figura 3. Índice de Falkenmark na Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema, SP, nos c enários BaU.1 e BaU.2
25000
20000
15000 10000
5000
Falkenmark BaU.1 Falkenmark BaU.2 Insustentável Estresse Moderado Adequado
0
Anos
Legenda: Falkenmark BaU.1=Índice de Falkenmark cenário BaU.1, Falkenmark BaU.2= Índice de Falkenmark cenário BaU.2; Insustentável= menor que 500 m3 hab-1 ano-1; Estresse= no intervalo de 500 a 1.600 m3 hab-1 ano - 1; Moderado= no intervalo de 1.600 a 10.000 m3 hab-1 ano-1; Adequado= maior que 10.000 m3 hab-1 ano-1 .
Irriga, Botucatu, v. 28, n. 4, p. 602-613, outubro-dezembro, 2023
608 Sustentabilidade dos recursos...
No cenário BaU.2, que utiliza a série de precipitações de 1947 a 2021, o Índice de Falkenmark apresentou oscilações em função das precipitações, partindo de 13.569 m3 hab-1 ano-1 em 2016, passando por 19.825 m3 hab-1 ano-1 em 2050 e chegando a 9.257 m3 hab-1 ano-1 em 2070. Nesse cenário, no período de 2016 a 2065, observa-se o mesmo que no cenário BaU.1. Apesar das oscilações das precipitações e a diminuição da disponibilidade de água em m3hab-1 ano-1, o sistema permite fornecer água em quantidade adequada com respeito à população da bacia, visto que a disponibilidade se encontra acima de 1 0.000
m3 hab-1 ano-1. Entretanto, essa situação muda a partir de 2070, pois a bacia começa a apresentar problemas moderados de água, com o índice apresentando valor menor que 10.000 m3 hab-1 ano-1 (9.257 m3 hab-1 ano-1 ) (Figura 3).
A Figura 4, apresenta o Índice de Keller na BH do ALPA nos cenários BaU.1 e BaU.2. Esse Índice permite analisar o desenvolvimento da bacia. Segundo Keller, Keller e Davids (1998), o desenvolvimento de uma bacia depende da relação entre o consumo anual pelos diversos demandantes e o volume anual de água disponível.
Figura 4. Índice de Keller na Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema, SP, nos c enários BaU.1 e BaU.2
100
90
80
70
60
50
40
30
20
Keller BaU.1 Keller BaU.2 Fase Exploração Fase Conservação Fase Ampliação
10
0
Anos
Legenda: Keller BaU.1= Índice de Keller cenário BaU.1; Keller BaU.2= Índice de Keller cenário BaU.2; Fase Exploração= a bacia usa até 60% da água (estágio I: a bacia usa menos que 40% da água, estágio II: a bacia usa 40 a 60% da água); Fase Conservação= a bacia usa de 60 a 80% da água; Fase Ampliação= a bacia usa mais de 90% da água.
De acordo com o Índice de Keller, a BH do ALPA encontra-se, em 2016, em ambos os cenários, no estágio I da Fase de Exploração, o que significa que o sistema de recursos hídricos da bacia é amplamente aberto (Figura 4). Nessa fase e estágio, o principal meio para satisfazer a crescente
demanda é simplesmente desviar mais suprimento e bombear água de aquíferos de águas subterrâneas rasas, não sendo necessário implementar medidas para a redução da demanda. Essa condição se mantém até o final do período de simu lação do cenário BaU.1. No entanto, no cenário
Irriga, Botucatu, v. 28, n. 4, p. 602-613, outubro-dezembro, 2023
Orellana-Gonzalez, et al. 609
BaU.2, observa-se em 2070 que a BH do ALPA passa do estágio I para o estágio II da Fase de Exploração. Nesse estágio, é necessária a construção de sistemas de armazenamento de água, a ampliação do sistema de distribuição e o bombeamento a partir de aquíferos profundos. Tais medidas são essenciais quando os somatórios da vazão líquida retirada e dos requerimentos mínimos de vazão instantânea nos corpos hídricos superficiais começam a exceder a vazão disponível .
Na Figura 5, apresenta-se o Índice de Sustentabilidade, proposto por Xu et al. (2002), para os cenários BaU.1 e BaU.2. Essa Figura mostra que, em 2016, o IS no cenário BaU.1 era de 0,90 e que chegará a 0,77 em 2050, e a 0,73 em 2070. O cenário BaU.2 apresenta oscilações dependentes das mudanças na oferta de água disponível causada pela variação das precipitações. Os valores menores de IS ocorreram em 2020 e 2065, sendo iguais a 0,43 e 0,46 respectivamente, e os maiores em 2025, igual a 1,17, e em 2040, valendo 1,09.
Figura 5. Índice de Sustentabilidade (IS) na Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema, SP, nos cenários BaU.1 e BaU.2
1,40 1,20 1,00 0,80
IS BaU.1
0,60 0,40
IS BaU.2 IS Crítico
0,20 0,00
2016 2020 2025 2030 2035 2040 2045 2050 2055 2060 2065 2070
Anos
Legenda: IS BaU.1=Índice de Sustentabilidade cenário BaU.1; IS BaU.2= Índice de Sustentabilidade cenário BaU.2; IS Crítico= índice igual ou menor que 0,2 equivalente à estresse hídrico e vulnerabilidade no uso dos recursos hídricos.
No processo de cálculo de IS foram consideradas as águas de reuso como parte da oferta das águas disponíveis na BH do ALPA. Quando o valor de IS é maior do que 0,2, indica que existe baixo ou nenhum estresse na oferta de água, mas quando os valores de IS são menores que 0,2, isto reflete condições de vulnerabilidade dos recursos hídricos. Valores iguais a zero indicam que a oferta é insustentável. Em
ambos os cenários, o valor do IS é maior que 0,2, indicando que existe baixo ou nenhum estresse na oferta de água disponível na BH do ALPA local (Figura 5 ).
Xu et al. (2002), usando o software STELLA, simularam o Índice de Sustentabilidade para uma sub-região da bacia do Rio Amarelo, na China. No cenário BaU, os autores encontraram valores do IS iguais a 0,67, 0,64 e 0,63 para os anos 2010,
Irriga, Botucatu, v. 28, n. 4, p. 602-613, outubro-dezembro, 2023
610 Sustentabilidade dos recursos...
2020 e 2030, respectivamente, evidenciando que, assim como para a BH do ALPA (Figura 5), a bacia estudada não apresentou situação de estresse hídrico.
Orellana González et al. (2008), em estudo no município de São Miguel do Anta (MG), avaliaram a sustentabilidade dos recursos hídricos no município com base no Índice de Sustentabilidade, mostrando que no período de simulação de 2003 a 2035, o IS se aproximou de 0,5, indicando que o município usa 50% da água disponível. O que indica que assim como para a BH do ALPA (Figura 5), o município estudado não apresentou situação de estresse hídrico . Diferente do encontrado no presente estudo (Figura 5), Sánchez- Román, Folegatti e Orellana-González (2010) verificaram para as Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí no cenário BaU, IS igual a 0,2 em 2054, o que indica situação de estresse hídrico na bacia avaliada. Da mesma forma, Souza et al . (2010) ao analisarem o comportamento hidrológico da bacia do córrego Entre
Ribeiros, observaram no cenário BaU que o IS atingirá o valor de 0,2 em 2040, indicando que a bacia enfrentará estresse hídrico. Ribeiro et al. (2022), considerando o cenário BaU na bacia do Rio Palma, Tocantins, avaliaram com base no Índice de Sustentabilidade, a situação da água da bacia até o final do século XXI. Os resultados encontrados indicam que durante todo o período de simulação, é possível observar uma redução da oferta de água e aumentos em sua demanda. Apesar disso, ao final do período de simulação, o IS foi igual a 0,88, indicando o uso sustentável dos recursos hídricos da bacia. Tal constatação também corrobora com os resultados do presente trabalho, uma vez que foi verificado por meio do IS, que a BH do ALPA não apresentou no período simulado, em ambos os cenários, situações de estresse hídrico ou vulnerabilidade (Figura 5), mesmo com as oscilações na oferta (Figura 2) e nas demandas agrícola, industrial, da população e da pecuária (Tabela 2, Figura 6).
Tabela 2. Demanda por setor usuário em milhões de m3 ano-1, na Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema, SP, nos cenários BaU.1 e BaU. 2
Anos Agrícola Ambiental Indústria Pecuária Populacional Demanda Total
2016 149 804 58 102 196 1.309
2020 193 804 63 107 198 1.366
2025 297 804 74 118 202 1.494
2030 457 804 85 131 206 1.683
2035 703 804 99 150 210 1.965
2040 1081 804 115 174 214 2.388
2045 1663 804 133 207 219 3.026
2050 1887 804 154 250 223 3.319
2055 1887 804 178 308 228 3.406
2060 1887 804 207 385 233 3.516
2065 1887 804 240 488 238 3.658
2070 1887 804 278 626 244 3.839
Irriga, Botucatu, v. 28, n. 4, p. 602-613, outubro-dezembro, 2023
Orellana-Gonzalez, et al. 611
Figura 6. Demanda por setor usuário em milhões de m3 ano-1, na Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema, SP, nos cenários BaU.1 e BaU.2
2000 1800 1600 1400
1200 1000
800
600
400
Agrícola Ambiental Indústrial Pecuária Populacional
200
0
2016 2020 2025 2030 2035 2040 2045 2050 2055 2060 2065 2070 Anos
Verifica-se no Quadro 2 que a demanda ambiental se mantém em 804 milhões de m3 ano-1, constante ao longo do período de simulação. A demanda do setor agrícola e pecuário representa 19% da demanda total em 2016, 64% em 2050, chegando a 65% da demanda total em 2070. A demanda do setor industrial cresce de 4% da demanda total em 2016 para 7% em 2070, enquanto a demanda da população decresce de 15% da demanda total em 2016 para 6% em 2070 devido à baixa taxa de crescimento da população na BH do ALPA.
6 CONCLUSÕES
Os resultados encontrados neste trabalho permitem concluir que:
Nos cenários considerados, os três índices avaliados indicam que existe na BH do ALPA uma oferta adequada de água que permite satisfazer a demanda da população (Índice de Falkenmark). Quanto ao uso de água, o Índice de Keller mostra que dentro das fases de desenvolvimento, a bacia d o ALPA está na Fase de Exploração, estágio s
I e II, usando até 60% da água disponível, sendo considerada uma bacia aberta, não havendo necessidade de implementação de políticas de redução da demanda, mas recomenda-se um planejamento do uso dos recursos hídricos. Segundo o Índice de Sustentabilidade, o sistema de recursos hídricos da bacia não apresenta situações de estresse ou vulnerabilidade, pois a oferta de água disponível pode suprir a demanda dos diferentes usuários (a demanda é menor que 80% da oferta disponível na bacia), mantendo a sustentabilidade dos recursos hídricos da BH do ALPA.
7 AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão da bolsa de estudo.
Irriga, Botucatu, v. 28, n. 4, p. 602-613, outubro-dezembro, 2023
612 Sustentabilidade dos recursos...
8 REFERÊNCIAS
ASSAD, E. Eduardo Assad fala que é impossível dizer quando a seca acabará [Entrevista cedida a] Alexandre Mansur. Blog do Planeta, 2015. Disponível em: http://epoca.globo.com/colunas-e - blogs/blog-do - planeta/noticia/2015/02/beduardo-assadb-e - impossivel-dizer-quando-seca- acabara.html. Acesso em: 20 abr. 2022 .
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior . AGROSTAT- Estatísticas do Comercio Exterior do Agronegócio Brasileiro . Brasilia, DF, 2021. Disponível em: https://sistemasweb.agricultura.gov.br/page s/AGROSTAT.html. Acesso em: 13 abr. 2022.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente, 2016.
CENTRO TECNOLÓGICO DA FUNDAÇÃO PAULISTA. Plano de bacia hidrográfica do alto Paranapanema 2012/2015. Lins: CEPTEC, 2015. Disponível em: http://www.sigrh.sp.gov.br/public/uploads/ documents/8776/planodebaciacbhalpa.pdf. Acesso em: 5 out. 2022.
CBH-ALPA. Relatório de Situação dos Recursos Hídricos da UGRHI-14 – Alto Paranapanema – 2020 – Ano Base 2019 . Piraju: CBH_ALPA, 2020. Disponível em http://www.sigrh.sp.gov.br/public/uploads/ documents//CBHALPA/12213/relatorio-de - situacao-2017_v_final.pdf. Acesso em: 22 jan. 2022.
COX, P. M.; HARRIS, P. P.; HUNTINGFORD, C.; BETTS, R. A.; COLLINS, M.; JONES, C. D.; JUPP, T. E.; MARENGO, J. A.; NOBRE, C. A.
Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution. Nature , United Kingdom, v. 453, n. 7192, p. 212 - 215, maio 2008.
FALKENMARK, M.; BERNTELL, A. ; JÄGERSKOG, A.; LUNDQVIST, J. ; MATZ, M., TROPP, H. On the Verge of a New Scarcity: A Call for Good Governance and Human Ingenuity . Sundbyberg: Stockholm International Water Institute, 2007.
FALKENMARK, M. The Massive Water Scarcity now threatening Africa - Why isn‘t it being addressed? Ambio, Estocolmo, v. 18, n. 2, p. 112-118, 1989.
FAO. The State of Food and Agriculture : Making agrifood systems more resilient to shocks and stresses. Rome: Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2021.
IPCC. Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. Disponível em: https://www.ipcc.ch/pdf/assessment - report/ar4/wg2/ar4_wg2_full_report.pdf. Acesso em: 23 abr. 2022.
IPCC. Climate Change 2014: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Geneva: IPCC, 2014. 151 p. Disponível em: http://www.ipcc.ch/pdf/assessment - report/ar5/syr/SYR_AR5_FINAL_full.pdf. Acesso em: 23 abr. 2022.
IPCC. Summary for Policymakers. In: Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. In Press. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/sixth -
Irriga, Botucatu, v. 28, n. 4, p. 602-613, outubro-dezembro, 2023
Orellana-Gonzalez, et al. 613
assessment-report-cycle/. Acesso em: 10 abr. 2022.
KELLER, J.; KELLER, A.; DAVIDS, G. River basin development phases and implications of closure. Journal of Applied Irrigation Science, Germany, v. 33, n. 2, p. 145-163, 1998.
MARENGO, J. A.; NOBRE, C. A.; TOMASELLA, J.; OYAMA, M. D.; OLIVEIRA, G. S. de; OLIVEIRA, R.; CAMARGO, H.; ALVES, L. M.; BROWN, I. F. The Drought of Amazonia in
2005. Journal of Climate, Boston, v. 21, n. 3, p. 495-516, 2008a.
MARENGO, J. A.; NOBRE, C. A. ; TOMASELLA, J.; CARDOSO, M. F. ; OYAMA, M. D. Hydro-climatic and ecological behaviour of the drought of Amazonia in 2005. Philosophical Transactions of The Royal Society B : Biological Sciences, London, v. 363, n. 1498, p. 1773-1778, 2008b.
MARENGO, J. A. O futuro clima do Brasil. Revista USP, São Paulo, SP, v. 103, p. 25 - 32, 2014.
ORELLANA GONZÁLEZ, A. M. G. ; SILVA-JUNIOR, A. G.; SÁNCHEZ - ROMÁN, R. M.; SILVA, E.; BRAGA, J. L. Water resources sustainability at S ão
Miguel do Anta County, Minas Gerais , Brazil: a system dynamics
approach. Revista Brasileira de
Engenharia de Biossistemas, Tupã, v. 2, n. 3, p. 231-241, 15 dez. 2008.
RIBEIRO, C. L. C.; DIOTTO, A. V.; THEBALDI, M. S.; RODRIGUES, J. A. M.; VIOLA, M. R. Simulations of the climate change and its effect on water resources in the Palma River basin,
Brazil. Water Supply, London, v. 22, n. 5, p. 5494-5508, 2022.
SÁNCHEZ-ROMÁN, R. M.; FOLEGATTI, M. V.; ORELLANA - GONZÁLEZ, A. M. G. Water resources assessment at Piracicaba, Capivari and Jundiaí River Basins: a dynamic systems approach. Water Resources Management , New York, v. 24, p. 761-773, 2010.
SOUZA, M. N.; MANTOVANI, E. C. ; ORELLANA GONZALEZ, A. M. G. ; SÁNCHEZ-ROMÁN, R. M.; SILVA, M. A. A. S. Dinâmica de sistemas e amodelagem com o uso do programa STELLA dos recursos hídricos da bacia do Rio Preto, afluente do Rio Paracatu. Revista Ibero-Americana de Ciências Ambientais, Aquidabã, Sergipe, v. 1, n. 1, p. 16-42, 2010 .
XU, Z. X.; TAKEUCHI, K.; ISHIDARA, H.; ZHANG, X. W. Sustainability Analysis for Yellow River Water Resources Using the System Dynamics Approach. Water Resources Management, New York, v. 16, n.3, p. 239-261, 2002.
Irriga, Botucatu, v. 28, n. 4, p. 602-613, outubro-dezembro, 2023